História
A ideia é discorrer sobre temas variados relacionados à história. É importante esclarecer que o blog não é feito em formato acadêmico, embora os textos sejam embasados em historiadores sérios e de renome (tentarei, na medida do possível, citar referências). A proposta é abordar os assuntos sugeridos de forma sucinta, simples e direta, sem a rigidez dos trabalhos universitários, o que não diminui a seriedade do que é produzido.
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
Heróis Esquecidos do Brasil: Plácido de Castro
José Plácido de Castro (1873 – 1908) nasceu no Rio Grande do Sul (São Gabriel). Sua família possuía inúmeros militares – alguns antepassados de Plácido lutaram nas guerras imperiais (Guerra da Cisplatina e Guerra do Paraguai) e também participaram de missões jesuíticas no sul do país. Plácido ingressou na carreira militar aos 16 anos. Nessa época, deflagrou-se a Revolução Federalista (1893 – 1895), e Plácido lutou ao lado dos “maragatos”, que foram derrotados pelas forças de Floriano Peixoto. Decepcionado com o rumo dos acontecimentos, Plácido abandonou a carreira militar e mudou-se para o Rio de Janeiro. Em 1899 foi para o Acre, que era província boliviana à época. E Plácido imortalizaria seu nome naquela distante terra amazônica.
No início do séc. XX, a região amazônica vivia o apogeu da extração de látex para a fabricação de borracha, matéria-prima de vital importância para a indústria automobilística que ganhava força nos países industrializados, especialmente os EUA. Esse período foi de tanta pujança que cidades como Manaus e Belém cresceram formidavelmente; a construção de inúmeros teatros, museus e mansões contrastava com a inóspita floresta em derredor: era a nossa exótica Belle Epóque tropical. Tanta prosperidade econômica atraiu uma enorme população de miseráveis para aquela região; o grosso dos migrantes vinha do Nordeste. Fugindo da seca, essa gente desesperada buscava um meio para trabalhar e ganhar a vida. O território acreano recebeu inúmeras famílias brasileiras, o que criou um enorme problema para o governo boliviano. As condições de vida eram precárias para os pobres migrantes, que já chegavam repletos de dívidas e dificilmente conseguiriam pagá-las, o que proporcionava uma exploração quase escrava do trabalho daqueles infelizes.
Tropas bolivianas foram recebidas à bala quando foram ocupar a região. A Bolívia já havia perdido grandes porções de terra para o Chile, o Peru e a Argentina, e perder o Acre estava fora de questão. Nesse ínterim, até uma curiosa “Expedição dos Poetas” aconteceu, mas foi esmagada pelo exército boliviano, que aumentava os efetivos na região. Os confrontos com os colonos brasileiros também cresceram. Nesse meio tempo, Plácido de Castro envolveu-se no conflito e voltou à ativa, reutilizando a já empoeirada farda.
Plácido de Castro conseguiu organizar um exército de seringueiros, impondo-lhes disciplina e rígido treinamento. O governo amazonense dava apoio por “debaixo dos panos”, fornecendo armas e suprimentos aos rebeldes. Plácido até mesmo introduziu técnicas militares muito avançadas para a época: seu exército adotou uma farda azul escura, que fornecia muito mais proteção nas matas fechadas do que as cores quentes utilizadas anteriormente – o número de baixas foi reduzido drasticamente. O enfrentamento com as tropas bolivianas era cada vez mais intenso, e Castro conquistava inúmeras vitórias. O número final de tropas bolivianas envolvidas na região chegou a 100 mil homens; os colonos organizados por Plácido chegaram a um total de 30 mil homens. Durante curto período, Plácido foi o governador de um Acre independente que, em 1903, seria anexado ao Brasil após negociações com a Bolívia; o risco de uma guerra entre os dois países era real, e o célebre Tratado de Petrópolis (assinado pelo também célebre Barão de Rio Branco) evitou esse conflito.
O final de Plácido de Castro foi trágico. Em 1908, foi vítima de um atentado emboscado por rivais políticos. Quando estava à beira da morte, Plácido de Castro pediu ao irmão para ser enterrado no Rio Grande do Sul – o Acre havia pagado-lhe muito mal pelos serviços prestados, queixava-se. "Logo que puderes, retira daqui os meus ossos. Direi como aquele general africano: 'Esta terra que tão mal pagou a liberdade que lhe dei, é indigna de possuí-los.' Ah, meus amigos, estão manchadas de lodo e de sangue as páginas da história do Acre...tanta ocasião gloriosa para eu morrer...". O pedido de Plácido foi atendido.
Plácido de Castro figura no panteão de heróis da pátria brasileira e dá nome a uma cidade do Acre, bem como a um batalhão do Exército. Foi, sem sombra de dúvidas, um homem corajoso, idealista e brilhante, derrotando um exército maior e (provavelmente) mais bem treinado, com melhores recursos (tratava-se de um exército profissional, ao contrário dos esfarrapados seringueiros comandados por Plácido). É curioso como pouco é sabido sobre personalidades como ele. O Brasil carece de memória. Em tempos de tão pouca iniciativa e da exaltação de falsos heróis, lembrar-se de Plácido de Castro é vital. O Acre existe e deve muito a José Plácido de Castro, um gaúcho muito brasileiro e muito acreano.
terça-feira, 4 de agosto de 2015
Babilônia, a "Porta de Deus"
Poucos nomes na história invocam tanto a imaginação quanto “Babilônia”. Nos nossos dias, “babilônia” ou “babilônico” é sinônimo de algo grandioso, monumental; ou de algo imoral, perverso, pagão. Existe uma razão para tudo isso. O fato é que este nome, sacro ou profano, ainda suscita paixões ou causa asco em quem o escuta. Daí surge o porquê de eu escrever um pequeno resumo histórico sobre a Babilônia, os impérios forjados por ela e de como ela desapareceu, sobrando apenas ruínas ainda esplêndidas do lugar que foi um dos mais disputados em toda a Antiguidade.
Localização geográfica e breves referências introdutórias
A Babilônia foi um dos grandes centros urbanos da história antiga. Surgiu entre o rio Eufrates por volta do milênio III a.C., ainda como um povoado. Ficava localizada na Mesopotâmia, “terra entre rios”. A Mesopotâmia foi o berço das primeiras grandes civilizações da história humana. Ali se desenvolveram os primeiros povoados que tomariam contornos urbanos; as primeiras formas de escrita (cuneiforme); as primeiras redes comerciais; os primeiros registros legais; os primeiros grandes impérios e, com eles, os primeiros exércitos regulares. Como tudo isso foi possível? Os povos mesopotâmicos foram agraciados por viverem numa área conhecida como “Crescente Fértil”, que abrangia boa parte do Oriente Médio e chegava ao Egito. Tendo se instalado em terras propícias à agricultura e à criação de animais, populações dantes nômades tornaram-se sedentárias, aprenderam ofícios e criaram tecnologias caras à sua manutenção naquelas áreas, como o arado puxado por animais e o desvio dos rios através de canais artificiais. Tudo isso permitiu que certa prosperidade se fizesse sentir. Entretanto, as primeiras cidades viviam separadas. Eram as cidades-estado, cuja unidade política dava-se unicamente dentro de seus muros. É importante lembrar que a Mesopotâmia nunca foi um país, mas sim um conglomerado de cidades-estado poderosas que constantemente entravam em conflito.
Os primeiros “conglomerados unificados” da Mesopotâmia foram a Suméria e a Acádia. Entretanto, não lograram ultrapassar as fronteiras delimitadas pelo Tigre e Eufrates. Sua duração e extensão foram relativamente curtas. A Babilônia só adquiriria status mais elevado à época em que um imperador amorita fundou o que ficou conhecido como Primeiro Império Babilônico. Seu nome ficaria imortalizado pelo código de leis que compilaria: Hamurabi.
Primeiro Império Babilônico e o dedo de Hamurabi
É extremamente difícil para os historiadores da Antiguidade definir com precisão algumas datas, já que os registros daquela época são escassos. Na época em que Hamurabi fundou o Primeiro Império Babilônico (por volta de 1792 a.C, e perdurou até 1750 a.C), Babilônia já era conhecida por sua cultura, arte, ciência, arquitetura e leis, muito mais avançadas do que de outras cidades do mesmo período. Hamurabi foi um monarca habilidoso. Graças à escrita cuneiforme, as leis babilônias foram compiladas no famoso Código de Hamurabi. Vários assuntos rotineiros foram incluídos nesse código legal: relações com a propriedade, casamento, divórcio, herança e punição dos mais variados crimes, sendo a mais conhecida o “olho por olho”. Certamente Hamurabi não inventou estas leis, que já existiam muito antes dele, mas teve o mérito de ajuntá-las e imortaliza-las na história. Alguns autores sustentam a tese de que as famosas leis do hebreu Moisés (e da Bíblia no Antigo Testamento) foram diretamente influenciadas pelo Código de Hamurabi, bem como a narrativa do Dilúvio foi uma adaptação da Epopeia de Gilgamesh, um mito sumério, além da famosa Torre de Babel (Babel era outro nome dado à Babilônia). Não sei ao certo o que dizer sobre isto, e não é a intenção deste texto divagar sobre esses assuntos – deliciosos, claro, mas que necessitam de critérios mais profundos de análise.
O Primeiro Império Babilônico, semelhantemente aos pequenos impérios mesopotâmicos primitivos, não foi além da Mesopotâmia e não durou muito. É provável que tenha se desfeito logo depois da morte de Hamurabi. Após um longo período de decadência (os historiadores chamam-no de “Idade das Trevas” pelo fato de existirem poucos registros, algo parecido com o que aconteceu no fim da Grécia Micênica) geral no Oriente e o fim da chamada Era do Bronze (por volta do séc. XIII a.C), um poderoso império despontaria e subjugaria com extrema brutalidade quem se colocasse diante de seu caminho: a Assíria. A Babilônia teria papel importantíssimo na história do Império Assírio, tanto que foi a responsável direta por sua queda, em 612 a.C, dando início ao Império Neobabilônico (caldeu). Mas, de qualquer forma, não seria fácil ficar livre da mais assombrosa máquina militar da história antiga.
A Dominação Assíria: Influências e libertação final
Os assírios eram habitantes originários do norte da Mesopotâmia, provindos da cidade de Assur (o mesmo nome de sua principal divindade). Por volta do século IX a.C., os assírios construíram o primeiro império de fato da Antiguidade, com um corpo administrativo razoavelmente definido, cujo principal método era a substituição das elites dos povos vencidos por sua própria gente, transformando reinos outrora independentes em reinos vassalos; mudanças populacionais encadeadas através de deportações; uma ideologia norteada pela religião e um exército regular eficaz e violento, que não hesitava em massacrar aqueles que ousassem rebelar-se contra o domínio dos senhores assírios. No auge de sua expansão territorial, os assírios alcançaram o Egito, sendo senhores absolutos de praticamente todo o Crescente Fértil. A relação dos assírios com a Babilônia oscilou entre a cooperação mútua e a imposição à força de seu poder. Os assírios tinham muito em comum com os babilônios, como o idioma e a religião. Entretanto, consideravam-se inferiores. Os babilônios tiveram relativa autonomia durante algum tempo, mas seu espírito inquieto que se recusava a reconhecer um domínio estrangeiro acabou instigando constantes rebeliões. No ano de 689 a.C., o rei assírio Senaqueribe incendiou e destruiu Babilônia; a cidade seria reconstruída mais tarde por Assaradão, seu filho.
A situação começou a mudar depois de uma aliança entre os babilônios e os medos. Ambos uniram-se para por fim ao domínio assírio. A Babilônia era representada por Nabopolasar; a Média era chefiada por Ciáxares. As investidas contra o poderio assírio começaram por volta de 614 a.C.; em 612 a.C., o império assírio chegaria ao fim após a queda de Nínive por mãos babilônico-médias. Partindo deste ponto, iniciou-se o Segundo Império Babilônico, também conhecido como Império Neobabilônico.
O Império Neobabilônico: a estrela de Nabucodonosor
Embora Nabopolasar tenha sido o “libertador” da Babilônia, foi seu filho Nabucodonosor II que consolidou o novo império. O reinado de Nabucodonosor ficaria conhecido pelo grande número de obras e construções que faria, mas há alguns equívocos. Um dos casos mais famosos é o dos Jardins Suspensos da Babilônia, que supostamente teriam sido criados por Nabucodonosor para satisfazer sua amante. Os jardins seriam descritos por Heródoto de Halicarnasso, famoso historiador grego. Entretanto, é possível que estes jardins jamais tenham existido de fato, ou de que eram anteriores ao reinado de Nabucodonosor. Mesmo assim, os jardins suspensos foram considerados como uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, ao lado das Pirâmides do Egito, do Colosso de Rodes (estátua na cidade grega de Rodes), do Farol de Alexandria (Egito), do Templo de Zeus em Olímpia (Grécia), do Mausoléu de Halicarnasso (Cária, cidade grega) e do Templo de Ártemis em Éfeso, cidade grega. Além dos Jardins Suspensos, outras construções monumentais foram o zigurate e os Portões de Ishtar (hoje num museu de Berlim, Alemanha). O Império Neobabilônico partiu rumo a conquistas quase similares a de seus predecessores assírios. Uma delas marcaria para sempre a história do povo subjugado, os judeus.
Os judeus e o Cativeiro da Babilônia – um legado
Conclusão
A Babilônia nunca mais seria tão importante após o Império Persa Aquemênida e assumiria papéis secundários nos impérios antigos subsequentes (uma referência válida é a de que Alexandre, o Grande, morreria em Babilônia, após forte febre). Depois da invasão e consolidação dos árabes na Mesopotâmia (transformada em Iraque) nos séculos VII e VIII d.C., a cidade seria abandonada. As ruínas de Babilônia ainda existem, e há o esforço grande por parte de pesquisadores em preservá-las das constantes guerras que assolam o Iraque. Milhares de tabuinhas foram descobertas nos escombros da cidade, e há muitos milhares a se descobrir. O que se deve destacar é o legado civilizacional da Babilônia, seu esplendor, sua glória. É uma história apaixonante, que revela com precisão os primórdios de nossa própria história, e a consolidação de um paraíso em meio ao deserto hostil.
FONTES PESQUISADAS
LIVROS
Bíblia Sagrada (disponível online: https://www.bibliaonline.com.br)
História dos Judeus (Paul Johnson)
Impérios Antigos: da Mesopotâmia à Origem do Islã (Eric H. Cline)
Uma História da Guerra (John Keegan)
DOCUMENTÁRIOS
“Guerreiros Ancestrais: os assírios” - espanhol (disponível online: https://www.youtube.com/watch?v=uxGQpu-rNqY)
“Os reis de Babilônia: de Sargão, o grande até Saddam Hussein”- espanhol (disponível online: https://www.youtube.com/watch?v=G-xYgaNqDXU&list=PLHv5I0SBGE-QQUOaScbo-eO3gTKurRWY3&index=5)
“Nabucodonosor II e o mistério de Babilônia”- português (disponível online: https://www.youtube.com/watch?v=V3dRFi3gzJg&list=PLHv5I0SBGE-QQUOaScbo-eO3gTKurRWY3&index=8)
Os primeiros “conglomerados unificados” da Mesopotâmia foram a Suméria e a Acádia. Entretanto, não lograram ultrapassar as fronteiras delimitadas pelo Tigre e Eufrates. Sua duração e extensão foram relativamente curtas. A Babilônia só adquiriria status mais elevado à época em que um imperador amorita fundou o que ficou conhecido como Primeiro Império Babilônico. Seu nome ficaria imortalizado pelo código de leis que compilaria: Hamurabi.
Primeiro Império Babilônico e o dedo de Hamurabi
É extremamente difícil para os historiadores da Antiguidade definir com precisão algumas datas, já que os registros daquela época são escassos. Na época em que Hamurabi fundou o Primeiro Império Babilônico (por volta de 1792 a.C, e perdurou até 1750 a.C), Babilônia já era conhecida por sua cultura, arte, ciência, arquitetura e leis, muito mais avançadas do que de outras cidades do mesmo período. Hamurabi foi um monarca habilidoso. Graças à escrita cuneiforme, as leis babilônias foram compiladas no famoso Código de Hamurabi. Vários assuntos rotineiros foram incluídos nesse código legal: relações com a propriedade, casamento, divórcio, herança e punição dos mais variados crimes, sendo a mais conhecida o “olho por olho”. Certamente Hamurabi não inventou estas leis, que já existiam muito antes dele, mas teve o mérito de ajuntá-las e imortaliza-las na história. Alguns autores sustentam a tese de que as famosas leis do hebreu Moisés (e da Bíblia no Antigo Testamento) foram diretamente influenciadas pelo Código de Hamurabi, bem como a narrativa do Dilúvio foi uma adaptação da Epopeia de Gilgamesh, um mito sumério, além da famosa Torre de Babel (Babel era outro nome dado à Babilônia). Não sei ao certo o que dizer sobre isto, e não é a intenção deste texto divagar sobre esses assuntos – deliciosos, claro, mas que necessitam de critérios mais profundos de análise.
O Primeiro Império Babilônico, semelhantemente aos pequenos impérios mesopotâmicos primitivos, não foi além da Mesopotâmia e não durou muito. É provável que tenha se desfeito logo depois da morte de Hamurabi. Após um longo período de decadência (os historiadores chamam-no de “Idade das Trevas” pelo fato de existirem poucos registros, algo parecido com o que aconteceu no fim da Grécia Micênica) geral no Oriente e o fim da chamada Era do Bronze (por volta do séc. XIII a.C), um poderoso império despontaria e subjugaria com extrema brutalidade quem se colocasse diante de seu caminho: a Assíria. A Babilônia teria papel importantíssimo na história do Império Assírio, tanto que foi a responsável direta por sua queda, em 612 a.C, dando início ao Império Neobabilônico (caldeu). Mas, de qualquer forma, não seria fácil ficar livre da mais assombrosa máquina militar da história antiga.
Os assírios eram habitantes originários do norte da Mesopotâmia, provindos da cidade de Assur (o mesmo nome de sua principal divindade). Por volta do século IX a.C., os assírios construíram o primeiro império de fato da Antiguidade, com um corpo administrativo razoavelmente definido, cujo principal método era a substituição das elites dos povos vencidos por sua própria gente, transformando reinos outrora independentes em reinos vassalos; mudanças populacionais encadeadas através de deportações; uma ideologia norteada pela religião e um exército regular eficaz e violento, que não hesitava em massacrar aqueles que ousassem rebelar-se contra o domínio dos senhores assírios. No auge de sua expansão territorial, os assírios alcançaram o Egito, sendo senhores absolutos de praticamente todo o Crescente Fértil. A relação dos assírios com a Babilônia oscilou entre a cooperação mútua e a imposição à força de seu poder. Os assírios tinham muito em comum com os babilônios, como o idioma e a religião. Entretanto, consideravam-se inferiores. Os babilônios tiveram relativa autonomia durante algum tempo, mas seu espírito inquieto que se recusava a reconhecer um domínio estrangeiro acabou instigando constantes rebeliões. No ano de 689 a.C., o rei assírio Senaqueribe incendiou e destruiu Babilônia; a cidade seria reconstruída mais tarde por Assaradão, seu filho.
A situação começou a mudar depois de uma aliança entre os babilônios e os medos. Ambos uniram-se para por fim ao domínio assírio. A Babilônia era representada por Nabopolasar; a Média era chefiada por Ciáxares. As investidas contra o poderio assírio começaram por volta de 614 a.C.; em 612 a.C., o império assírio chegaria ao fim após a queda de Nínive por mãos babilônico-médias. Partindo deste ponto, iniciou-se o Segundo Império Babilônico, também conhecido como Império Neobabilônico.
O Império Neobabilônico: a estrela de Nabucodonosor
Embora Nabopolasar tenha sido o “libertador” da Babilônia, foi seu filho Nabucodonosor II que consolidou o novo império. O reinado de Nabucodonosor ficaria conhecido pelo grande número de obras e construções que faria, mas há alguns equívocos. Um dos casos mais famosos é o dos Jardins Suspensos da Babilônia, que supostamente teriam sido criados por Nabucodonosor para satisfazer sua amante. Os jardins seriam descritos por Heródoto de Halicarnasso, famoso historiador grego. Entretanto, é possível que estes jardins jamais tenham existido de fato, ou de que eram anteriores ao reinado de Nabucodonosor. Mesmo assim, os jardins suspensos foram considerados como uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, ao lado das Pirâmides do Egito, do Colosso de Rodes (estátua na cidade grega de Rodes), do Farol de Alexandria (Egito), do Templo de Zeus em Olímpia (Grécia), do Mausoléu de Halicarnasso (Cária, cidade grega) e do Templo de Ártemis em Éfeso, cidade grega. Além dos Jardins Suspensos, outras construções monumentais foram o zigurate e os Portões de Ishtar (hoje num museu de Berlim, Alemanha). O Império Neobabilônico partiu rumo a conquistas quase similares a de seus predecessores assírios. Uma delas marcaria para sempre a história do povo subjugado, os judeus.
“Subiu, pois, contra ele Nabucodonosor, rei de Babilônia, e o amarrou com cadeias, para o levar a Babilônia. 2 Crônicas36:6”
Em 587 a.C., os exércitos de Nabucodonosor finalmente quebrariam a resistência do reino de Judá, invadindo e saqueando Jerusalém e levando a população cativa rumo à Babilônia. O rei vassalo rebelde, Zedequias, teve os dois filhos assassinados e os olhos vazados; junto de seu povo, seria levado acorrentado. O reino israelita do norte já havia sofrido destino semelhante um século antes, quando foi destroçado pelos assírios. Mas a ação babilônica foi menos brutal com os judeus remanescentes no sul.
Todo o drama judaico foi registrado no Antigo Testamento bíblico. Grandes profetas da história judaica, como Jeremias e Daniel, citaram o sofrimento dos judeus e sua saudade de Sião. O cativeiro de setenta anos em Babilônia seria um castigo infligido por Deus pela desobediência dos judeus às Suas ordens. Esse cativeiro teria papel fundamental na história daquele povo. Pode-se dizer que a Torá foi basicamente finalizada e redigida em Babilônia. Alguns escribas que fugiram do caos instalado em Jerusalém quando da invasão de Nabucodonosor levaram consigo os rolos de antigas escrituras sagradas; entre esses rolos estava o Pentateuco mosaico. O cativeiro forçado em uma terra estrangeira fez com que a identidade nacional judaica se aflorasse. Alguns estudiosos afirmam que a estadia dos judeus em Babilônia foi o momento crucial de sua definitiva guinada ao monoteísmo, pois alguns israelitas persistiam em cultos politeístas num período anterior, que foram basicamente extintos após o regresso de Babilônia. Vale lembrar, ainda, que a remanescente comunidade judaica que permaneceu em Babilônia (séculos após o término do cativeiro e a benevolência dos persas em permitir que regressassem à Terra Santa) seria importante na compilação do Talmude, outro documento sagrado da religião judaica (o judaísmo tal como o conhecemos data de 200 a.C). A escola talmúdica de Babilônia teria muito respaldo nas discussões religiosas durante os quase dezenove séculos de diáspora judaica.
Foi o cativeiro judaico que deu a luz à "má fama" da Babilônia. O monoteísmo judaico era diametralmente oposto ao politeísmo babilônico. Os judeus tentaram ficar afastados dos cultos idolátricos daquela terra distante. A Babilônia ficaria conhecida como uma cidade promotora de orgias, perversões e paganismo. Os cristãos herdariam o costume judaico de denegrir a Babilônia, mas num sentido figurado e simbólico (como aparece no livro de Apocalipse), já que a cidade não era tão esplendorosa em tempos cristãos. O rótulo de imoralidade e devassidão relacionada à Babilônia ainda persiste no imaginário destas grandes religiões monoteístas (não sei o que as autoridades religiosas islâmicas pensam a respeito, mas é provável que seja na mesma linha judaico-cristã). A Bíblia registra o nome de Babilônia 281 vezes.
O fim do Império Neobabilônico
De modo semelhante ao Primeiro Império Babilônico, o novo império não duraria muito após a morte de seu principal líder, Nabucodonosor, que governaria durante 43 anos. O último rei babilônico foi Nabonildo (r. 555-h39), que tomou o poder à força. Governou com o apoio do filho Belsazar, que é citado no livro bíblico de Daniel. Crises internas surgiram em decorrência disso. Nabonildo cometeu o sacrilégio de mudar os costumes religiosos, dando mais importância ao culto do deus Sin (divindade relacionada à Lua) em detrimento do culto da principal divindade da cidade, Marduk. Um poderoso império vizinho aproveitara-se da crise causada por Nabonildo: o Império Persa. Ciro, seu líder, conseguiu o apoio dos habitantes de Babilônia principalmente pela promessa de restaurar o antigo culto a Marduk. Em 539 a.C., suas tropas entrariam na cidade e colocariam fim ao último período independente de Babilônia. O relato de Ciro é bastante interessante:
“Ele [Nabonildo], com más intenções, suspendeu as oferendas e prejudicou os costumes rituais. Ele conspirou para encerrar a veneração a Marduk e continuou espalhando o mal contra sua cidade [...] (Marduk) permitiu que ele (Ciro) entrasse na Babilônia sem a necessidade de uma batalha ou de uma luta, poupando sua própria cidade da Babilônia das dificuldades, e entregou Nabonildo, que deixara de venerá-lo, em suas mãos.”
Todo o drama judaico foi registrado no Antigo Testamento bíblico. Grandes profetas da história judaica, como Jeremias e Daniel, citaram o sofrimento dos judeus e sua saudade de Sião. O cativeiro de setenta anos em Babilônia seria um castigo infligido por Deus pela desobediência dos judeus às Suas ordens. Esse cativeiro teria papel fundamental na história daquele povo. Pode-se dizer que a Torá foi basicamente finalizada e redigida em Babilônia. Alguns escribas que fugiram do caos instalado em Jerusalém quando da invasão de Nabucodonosor levaram consigo os rolos de antigas escrituras sagradas; entre esses rolos estava o Pentateuco mosaico. O cativeiro forçado em uma terra estrangeira fez com que a identidade nacional judaica se aflorasse. Alguns estudiosos afirmam que a estadia dos judeus em Babilônia foi o momento crucial de sua definitiva guinada ao monoteísmo, pois alguns israelitas persistiam em cultos politeístas num período anterior, que foram basicamente extintos após o regresso de Babilônia. Vale lembrar, ainda, que a remanescente comunidade judaica que permaneceu em Babilônia (séculos após o término do cativeiro e a benevolência dos persas em permitir que regressassem à Terra Santa) seria importante na compilação do Talmude, outro documento sagrado da religião judaica (o judaísmo tal como o conhecemos data de 200 a.C). A escola talmúdica de Babilônia teria muito respaldo nas discussões religiosas durante os quase dezenove séculos de diáspora judaica.
Foi o cativeiro judaico que deu a luz à "má fama" da Babilônia. O monoteísmo judaico era diametralmente oposto ao politeísmo babilônico. Os judeus tentaram ficar afastados dos cultos idolátricos daquela terra distante. A Babilônia ficaria conhecida como uma cidade promotora de orgias, perversões e paganismo. Os cristãos herdariam o costume judaico de denegrir a Babilônia, mas num sentido figurado e simbólico (como aparece no livro de Apocalipse), já que a cidade não era tão esplendorosa em tempos cristãos. O rótulo de imoralidade e devassidão relacionada à Babilônia ainda persiste no imaginário destas grandes religiões monoteístas (não sei o que as autoridades religiosas islâmicas pensam a respeito, mas é provável que seja na mesma linha judaico-cristã). A Bíblia registra o nome de Babilônia 281 vezes.
O fim do Império Neobabilônico
De modo semelhante ao Primeiro Império Babilônico, o novo império não duraria muito após a morte de seu principal líder, Nabucodonosor, que governaria durante 43 anos. O último rei babilônico foi Nabonildo (r. 555-h39), que tomou o poder à força. Governou com o apoio do filho Belsazar, que é citado no livro bíblico de Daniel. Crises internas surgiram em decorrência disso. Nabonildo cometeu o sacrilégio de mudar os costumes religiosos, dando mais importância ao culto do deus Sin (divindade relacionada à Lua) em detrimento do culto da principal divindade da cidade, Marduk. Um poderoso império vizinho aproveitara-se da crise causada por Nabonildo: o Império Persa. Ciro, seu líder, conseguiu o apoio dos habitantes de Babilônia principalmente pela promessa de restaurar o antigo culto a Marduk. Em 539 a.C., suas tropas entrariam na cidade e colocariam fim ao último período independente de Babilônia. O relato de Ciro é bastante interessante:
“Ele [Nabonildo], com más intenções, suspendeu as oferendas e prejudicou os costumes rituais. Ele conspirou para encerrar a veneração a Marduk e continuou espalhando o mal contra sua cidade [...] (Marduk) permitiu que ele (Ciro) entrasse na Babilônia sem a necessidade de uma batalha ou de uma luta, poupando sua própria cidade da Babilônia das dificuldades, e entregou Nabonildo, que deixara de venerá-lo, em suas mãos.”
A Babilônia nunca mais seria tão importante após o Império Persa Aquemênida e assumiria papéis secundários nos impérios antigos subsequentes (uma referência válida é a de que Alexandre, o Grande, morreria em Babilônia, após forte febre). Depois da invasão e consolidação dos árabes na Mesopotâmia (transformada em Iraque) nos séculos VII e VIII d.C., a cidade seria abandonada. As ruínas de Babilônia ainda existem, e há o esforço grande por parte de pesquisadores em preservá-las das constantes guerras que assolam o Iraque. Milhares de tabuinhas foram descobertas nos escombros da cidade, e há muitos milhares a se descobrir. O que se deve destacar é o legado civilizacional da Babilônia, seu esplendor, sua glória. É uma história apaixonante, que revela com precisão os primórdios de nossa própria história, e a consolidação de um paraíso em meio ao deserto hostil.
FONTES PESQUISADAS
LIVROS
Bíblia Sagrada (disponível online: https://www.bibliaonline.com.br)
História dos Judeus (Paul Johnson)
Impérios Antigos: da Mesopotâmia à Origem do Islã (Eric H. Cline)
Uma História da Guerra (John Keegan)
DOCUMENTÁRIOS
“Guerreiros Ancestrais: os assírios” - espanhol (disponível online: https://www.youtube.com/watch?v=uxGQpu-rNqY)
“Os reis de Babilônia: de Sargão, o grande até Saddam Hussein”- espanhol (disponível online: https://www.youtube.com/watch?v=G-xYgaNqDXU&list=PLHv5I0SBGE-QQUOaScbo-eO3gTKurRWY3&index=5)
“Nabucodonosor II e o mistério de Babilônia”- português (disponível online: https://www.youtube.com/watch?v=V3dRFi3gzJg&list=PLHv5I0SBGE-QQUOaScbo-eO3gTKurRWY3&index=8)
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Alexandre, o Grande
Algumas correntes historiográficas tem abandonado o estudo das grandes personalidades. Esse tipo de abordagem é considerada “elitista”, pois mostra a narrativa histórica sob o olhar “de cima”, do conquistador, daquele que convenientemente escreveu sua própria história ou ordenou que a escrevessem. Então, a ênfase é voltada aos menores, à micro história, aos de “baixo”. Não entrarei em polêmicas. Gosto dos dois tipos de abordagem, cada uma à sua maneira. Entretanto, o estudo dos grandes ainda é viçoso, excitante, pois a vida deles assim foi. Foram verdadeiros tremores de terra e mudaram gerações. Alexandre, o Grande, (356 – 323 a.C) foi um deles.
Alexandre nasceu na Macedônia, reino que fazia fronteira com a Grécia e suas inúmeras cidades-estado. Era um jovem ambicioso, com um ego maior do que o império efêmero que criaria. Parte da explicação vem de família: o pai de Alexandre, Filipe II, era um rei considerado tirânico, também expansionista (mas em menor escala à de Alexandre), além de inovador, pois modernizara o exército macedônico, utilizando tática similar a dos gregos: as falanges, formação compacta de infantaria que colocava os homens ombro a ombro e escudo a escudo, num sistema praticamente impenetrável. Além disso, possuía uma cavalaria ligeira (o que os gregos em geral não tinham) e máquinas de cerco sem igual. Alexandre ampliaria a escala do que o pai produziu. A mãe de Alexandre, Olímpia, era tão ou mais ambiciosa que o filho. O rei Filipe foi assassinado aos 46 anos de idade, e alguns estudiosos afirmam que a morte pode ter sido encomendada pela esposa, com a conivência de Alexandre. Não há prova concreta. Os demais herdeiros do trono foram esmagados, e Alexandre assumiria o reino ainda muito jovem.
Era um gênio militar de brilho notório. Venceu sua primeira batalha aos 16 anos. Como já citado, seu ego era tamanho que, já nessa época, batizava cidades com seu nome a fim de imortaliza-lo. Mas não era um brucutu: teve educação de ponta. Ora, ele era pupilo do filósofo grego Aristóteles, homem de importância ímpar na história do Ocidente. Que privilégio! Alexandre era um ávido leitor. Adorava Homero. Isso, aliás, foi crucial em sua formação ideológica. Acreditava-se descendente dos deuses (especialmente de Aquiles), senão um próprio deus.
Sua expansão militar foi espetacular. Dominou a Grécia, já enfraquecida. O Oriente era o ponto de maior cobiça. A máquina de guerra alexandrina varreu boa parte da Ásia. Os persas aquemênidas, inimigos antigos dos gregos e detentores do maior império até então, foram humilhados e renderam-se ao brio de Alexandre. Tiveram sua frota destruída no mar e derrota decisiva em Gaugamela. Seu rei, Dario, sairia com o rabo entre as pernas, desolado. São vários os feitos militares de Alexandre, e um dos mais espetaculares foi a tomada de Tiro, que era considerada inexpugnável (Alexandre construiu um ponte de 1 km para chegar até lá – Tiro era uma ilha próxima à costa). O que diferenciava Alexandre dos outros comandantes era sua notável coragem. Ia à frente de seu exército com tremenda ousadia, cavalgando em seu indomável Bucéfalo. Isso incentivava os homens durante as batalhas, excitava-os. O Egito também foi conquistado, e ali aconteceria um dos momentos mais curiosos e cruciais da história de Alexandre: ao procurar por sacerdotes no Oráculo do Oásis de Siwa, o que por si só já era arriscado, ouviu (evidentemente quis ouvir) que era um “deus” ou que alcançaria status divino. Aceitou isso incontestavelmente. Com um império ascendente (ia da Grécia à fronteira da Índia), Alexandre passou a adotar costumes locais, especialmente dos persas. Isso enfureceu suas tropas greco-macedônicas. Durante a investida contra a Índia, seus homens ameaçaram um motim. Queriam voltar para casa, contrariando o desejo de Alexandre. O retorno em meio ao deserto foi custoso, milhares morreram. Como quase tudo que envolve o poder e sua disputa, Alexandre foi tomado por paranoias; combinando isto com sua cada vez mais constante embriaguez, ordenou (ou o fez diretamente) o assassinato de antigos amigos e generais de confiança (como Cleito, seu amigo íntimo, ou Calístenes, historiador que levava para registrar seus feitos). A pretensão de Alexandre era tomar a Península Arábica, mas seus planos foram frustrados em Babilônia: tomado por uma febre intensa (provavelmente por malária ou algum problema relacionado ao álcool), morreria ali, na casa dos trinta anos. O império que havia forjado fragmentou-se graças a disputas entre seus antigos generais (foram formados dois principais impérios, o selêucida e o ptolomaico, mas a duração de ambos foi relativamente curta).
O legado de Alexandre permaneceu por séculos. Fundou 70 cidades com o seu nome, criou bibliotecas e levou a cultura helênica para além dos Bálcãs. A Grécia nunca mais seria a mesma: de cidadãos da pólis , os gregos passaram a ser súditos. A pólis praticamente não existia mais; agora os habitantes eram “cosmopolitas”, “cidadãos do Cosmos”. A mudança de mentalidade foi impactante. Alguns historiadores afirmam que a vida privada passou a ser mais importante, o que certamente contrariaria o antigo espírito ateniense. Desenvolveram-se novas filosofias para se adequar à nova realidade (notavelmente o epicurismo e o estoicismo). O exemplo militar de Alexandre foi evocado por seus sucessores romanos, bizantinos e até mesmo islâmicos. O status de herói ainda persiste. Mas nem tudo é belo. Em boa parte do Oriente, Alexandre é visto como o precursor do imperialismo ocidental; seu nome é temido e ainda é lembrado pela sanguinolência e destruição causada. De qualquer forma, Alexandre atingiu sua principal meta: imortalizar-se na História. Não importa a ênfase que tal ou qual historiador tenha, tampouco sua preferência política. Todos admitirão que Alexandre, de fato, foi Grande, gostando dele ou não.
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Alexandre montado em seu famoso Bucéfalo |
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Máxima extensão das conquistas de Alexandre |
Referências Bibliográficas
CLINE, Eric H. Impérios antigos: da Mesopotâmia à origem do Islã/ Eric H. Cline, Mark W. Graham; tradução Getulio Schanoski Jr. - São Paulo: Madras, 2012.
JOHNSON, Paul. Os heróis: de Alexandre o grande e Júlio César a Churchill e João Paulo II / Paul Johnson; tradução Marcos Santarrita. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
quinta-feira, 2 de julho de 2015
Os Filisteus
Os filisteus eram um povo guerreiro que vivia no litoral palestino, conhecidos principalmente por sua feroz rivalidade com os israelitas. Muito do que chegou até nós sobre os filisteus está relatado na Bíblia, onde abundam as narrativas sobre as sangrentas disputas entre aqueles povos.
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Território dos filisteus |
A origem dos filisteus é controversa. Tal como os fenícios (que viviam onde hoje é o Líbano e que desenvolveram o alfabeto que nós herdamos), pode-se dizer que também pertenciam aos “Povos do Mar”, invasores formidáveis que chegavam para saquear e conquistar terras – guerreiros brutais tanto no mar quanto em terra, tal tarefa não era difícil. Etnicamente falando, aproximavam-se mais dos europeus do que dos asiáticos, pois vinham da Grécia e de Creta; de lá trouxeram elementos de sua cultura, tal como o domínio da cerâmica e do ferro, este último essencial para a guerra. As principais cidades que construíram eram Ashod, Ascalon, Gaza, Gath e Ekron.
A aparência física dos filisteus era medonha à maioria dos asiáticos e africanos que os conheceram: eram certamente mais altos, possuíam o queixo raspado e tinham “olhos de águia”. O capacete que utilizavam nas batalhas era uma espécie de círculo de junco ereto, com tiras de couro ou crina de cavalo. Além da utilização do ferro, o que fazia com que suas armas fossem mais resistentes do que a dos inimigos (ainda à época da Idade do Bronze), utilizavam bigas de guerra de três homens (um cocheiro e dois lanceiros). Costumavam portar duas lanças, uma espada ou ambos. Os filisteus não eram apenas guerreiros brutais, pois tinham grande apreço pela arte – os israelitas da época não desenvolveram nada igual.

Os filisteus viviam em guerra contra seus vizinhos hebreus. Alguns foram imortalizados pela história. Quem nunca ouviu falar de Dalila, a encantadora mulher que seduziu o brutal Sansão e que o fez perder os olhos ao ser entregue aos inimigos? Ou de Golias, o gigante que atemorizou o exército israelita de Saul e que foi derrotado por Davi? Os registros históricos apontam que o fim dos filisteus não foi nada glorioso: sumiram à época das expansões dos povos mesopotâmicos (assírios e babilônios/caldeus); é provável que tenham sido assimilados étnica e culturalmente pelos invasores, que tinham o costume de realocar populações inteiras dentro de suas fronteiras imperiais (século VI a.C).
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A doce Dalila enfeitiçando o mulherengo Sansão... |
Por uma ironia da história, os filisteus continuariam a perturbar os judeus mesmo depois de terem desaparecido: após a revolta judaica de 70 d.C e da famosa Diáspora, os romanos renomearam o território judeu (Judéia) para “Palestina”, que seria uma tradução latina para “Filisteu” ou algo parecido (outra origem para o nome "Palestina" é egípcia: "Pelest" ou "Plst"). Era uma tentativa de eliminar resquícios judaicos daquele território e nada melhor que utilizar o nome dos velhos inimigos dos zelotas rebeldes. Ainda hoje a sombra filistina persegue os israelitas, pois os atuais palestinos (povo de maioria étnica árabe) residem na Faixa de Gaza e alguns grupos extremistas (fugindo de generalizações, claro) costumam atacar o território israelense de lá.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JOHNSON, Paul. Os heróis: de Alexandre o grande e Júlio César a Churchill e João Paulo II / Paul Johnson; tradução Marcos Santarrita. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
quarta-feira, 1 de julho de 2015
O Terceiro Reich em Guerra - Recomendação de livro
O nacional-socialismo é um dos fenômenos históricos mais interessantes e mais estudados de todos os tempos, tamanho o impacto que teve sobre o povo alemão e sobre o mundo em geral. A bibliografia é vasta e inesgotável, e o tema pode ser considerado "aberto" à análise. Entretanto, muito do que se diz a respeito é pura leviandade, e certas comparações são risíveis e carentes de bases históricas dignas de confiança.
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Soldado alemão na atroz Batalha das Ardenas, última ofensiva alemã na guerra |
Meu propósito é recomendar um dos livros mais interessantes que pude ler a respeito do tema: é o "Terceiro Reich em Guerra", do historiador inglês Richard J. Evans, especialista em Alemanha e professor de história contemporânea da Universidade de Cambridge. O livro é o último de uma série de três (os outros são "A Chegada do Terceiro Reich" e "Terceiro Reich no Poder"). O recorte histórico contempla os anos da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), dando ênfase total na participação alemã no conflito. As mais de 1000 páginas do livro fornecem dados impressionantes sobre os alemães e os inimigos subjugados; narra as rápidas vitórias obtidas, a espoliação, o ódio e a violência dispensada aos judeus, eslavos e outros povos; mostra o desenvolvimento econômico, social, militar e psicológico dos alemães do Reich; conta os detalhes das vitórias e da derrocada em solo russo, revelando dados estatísticos sensacionais sobre as maiores batalhas da historia, todas travadas no leste europeu; a discrepância da produção militar alemã comparada a dos aliados, os intensos bombardeios que o Reich sofreu e também as opiniões dos alemães sobre o nazismo, as atrocidades cometidas e o desenrolar da guerra.
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Wermacht na Polônia |
Algumas coisas chamaram a minha atenção: além das estatísticas militares, parte da qual gosto mais, impressionou-me sobremaneira os relatos das fábricas da morte desenvolvidas pelos nazistas - o desenvolvimento de um programa eugênico e de eutanásia que matou 80 mil alemães "inferiores" e a criação dos campos de concentração e extermínio; a frieza de personagens como Himmler, Mengele, Hoss, Goebbels e o próprio Hitler; a cumplicidade de alemães e outros povos com os massacres (os romenos, por exemplo, assassinaram cerca de 280-380 mil judeus); as diversas formas de assassinato e o relato de sobreviventes que vivenciaram o cotidiano da guerra e deixaram seus escritos como relíquia histórica indelével, tais como o judeu alemão Victor Klemperer e o médico polonês Zygmunt Klukowski, além dos diários de vários alemães comuns e de cartas trocadas no front.
Só posso ser enfático ao recomendar veementemente o livro a todos os que gostam de História e, principalmente, história do nacional-socialismo. O livro é excelente e de fácil leitura, e é indispensável para quem quer saber a abrangência e o impacto do nazismo em toda uma geração.
Referências Bibliográficas:
EVANS, Richard J. A chegada do Terceiro Reich / Richard J.
Evans ; tradução Lúcia Brito. – São Paulo : Editora
Planeta do Brasil, 2012.
terça-feira, 30 de junho de 2015
Os Assírios e a Guerra
Os assírios eram um povo semita originário do norte da Mesopotâmia, atual Iraque. Sua cidade principal era Assur; posteriormente outras grandes cidades foram construídas ao longo de sua expansão imperial, sendo as mais importantes Nínive e Nimrod. Seu império foi forjado por volta dos séculos IX - VII a.C. A expansão assíria foi um dos feitos mais formidáveis e assombrosos de toda a Antiguidade: estes destemidos guerreiros eram conhecidos pela sanguinolência e crueldade que infligiam aos povos subjugados -- a pilhagem, os incêndios, os empalamentos e as degolas eram rotineiras. Os assírios foram inovadores naquilo que eu definiria como "engenharia social primitiva": a deportação de populações inteiras e o realocamento destes povos em lugares estranhos. A Bíblia narra esse fato dramático: os israelitas do norte, derrotados pela máquina de guerra assíria, foram deportados e desapareceram da história. Sua capital, Samaria, recebeu populações estrangeiras (também cativas) e houve mestiçagem racial e cultural (daí o ódio dos judeus do sul aos samaritanos, considerados impuros). O reino do sul, Judá, também foi atacado. Jerusalém, a capital, foi assediada por meses pelos exércitos assírios, mas conseguiu resistir graças a uma peste que se instalou no acampamento assírio. Essa experiência odiosa seria repetida por diversos estadistas ao longo da história; cito o exemplo de Stálin e suas deportações (especialmente os tártaros) já no século XX, milênios depois dos assírios.

Máxima extensão do Império Assírio
Qual era o elemento que diferenciava os assírios dos outros povos no quesito guerra? O historiador militar John Keegan afirmou que os assírios constituíram o primeiro exército profissional de toda a história, o que foi um fator decisivo nas conquistas. Além disso, estes excepcionais soldados possuíam equipamentos de ferro, o que proporcionava nítida vantagem em relação aos inimigos (os egipto-núbios, por exemplo, utilizavam armas de bronze e metais mais frágeis, o que inevitavelmente fez com que fossem derrotados pelos assírios durante a vigência da XXV dinastia núbia no Egito). Outro fator interessante era a utilização dos cavalos e das bigas de guerra. As bigas proporcionavam velocidade nas batalhas e amedrontavam os inimigos, além de serem muito utilizadas nas caçadas que os assírios empreendiam; e os cavalos eram montados na parte dianteira, o que deveria ser bastante incômodo (vale lembrar que não existiam selas à época). E como os assírios ficaram conhecidos como "cruéis"? Além das narrativas escritas pelos vencidos (notadamente os israelitas, excelentes escritores já naquela época), os assírios também descreviam com imenso prazer os massacres que cometiam. O hino a seguir foi feito em louvor ao rei Tiglatpileser:
"Avançou, percorrendo um caminho de três dias;
antes do nascer do Sol, o seu chão estava em brasa.
Dilacerou o ventre das grávidas,
esquartejou o corpo dos débeis,
cortou o pescoço dos poderosos,
os fortes morreram, depois do incêndio dos seus países.
Um montão de ruínas espera quem peca contra o deus Assur!".
Outro relato (do mesmo rei):
"Conquistei as grandes cidades de Babilônia (...) causei mortandade ao inimigo, em Babel apoderei-me dos palácios do rei Marduk-nadin-akhikhi, destruí-os com o fogo e transportei os seus tesouros. Dei batalhas duas vezes com os carros de guerra a Marduk-nadin-akhikhi e o matei".

Uma das diversões dos nobres assírios era a caça, especialmente de grandes felinos.
Os assírios perderam a majestade para outro povo mesopotâmico: os babilônios. Entretanto, ficaram marcados na história como os guerreiros mais sanguinários da Antiguidade -- e creio que a "homenagem" é justa. Ainda existe uma comunidade assíria nos dias de hoje. A maioria é cristã e vive no Iraque, país árabe e de maioria islâmica/xiita.
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