Os primeiros “conglomerados unificados” da Mesopotâmia foram a Suméria e a Acádia. Entretanto, não lograram ultrapassar as fronteiras delimitadas pelo Tigre e Eufrates. Sua duração e extensão foram relativamente curtas. A Babilônia só adquiriria status mais elevado à época em que um imperador amorita fundou o que ficou conhecido como Primeiro Império Babilônico. Seu nome ficaria imortalizado pelo código de leis que compilaria: Hamurabi.
Primeiro Império Babilônico e o dedo de Hamurabi
É extremamente difícil para os historiadores da Antiguidade definir com precisão algumas datas, já que os registros daquela época são escassos. Na época em que Hamurabi fundou o Primeiro Império Babilônico (por volta de 1792 a.C, e perdurou até 1750 a.C), Babilônia já era conhecida por sua cultura, arte, ciência, arquitetura e leis, muito mais avançadas do que de outras cidades do mesmo período. Hamurabi foi um monarca habilidoso. Graças à escrita cuneiforme, as leis babilônias foram compiladas no famoso Código de Hamurabi. Vários assuntos rotineiros foram incluídos nesse código legal: relações com a propriedade, casamento, divórcio, herança e punição dos mais variados crimes, sendo a mais conhecida o “olho por olho”. Certamente Hamurabi não inventou estas leis, que já existiam muito antes dele, mas teve o mérito de ajuntá-las e imortaliza-las na história. Alguns autores sustentam a tese de que as famosas leis do hebreu Moisés (e da Bíblia no Antigo Testamento) foram diretamente influenciadas pelo Código de Hamurabi, bem como a narrativa do Dilúvio foi uma adaptação da Epopeia de Gilgamesh, um mito sumério, além da famosa Torre de Babel (Babel era outro nome dado à Babilônia). Não sei ao certo o que dizer sobre isto, e não é a intenção deste texto divagar sobre esses assuntos – deliciosos, claro, mas que necessitam de critérios mais profundos de análise.
O Primeiro Império Babilônico, semelhantemente aos pequenos impérios mesopotâmicos primitivos, não foi além da Mesopotâmia e não durou muito. É provável que tenha se desfeito logo depois da morte de Hamurabi. Após um longo período de decadência (os historiadores chamam-no de “Idade das Trevas” pelo fato de existirem poucos registros, algo parecido com o que aconteceu no fim da Grécia Micênica) geral no Oriente e o fim da chamada Era do Bronze (por volta do séc. XIII a.C), um poderoso império despontaria e subjugaria com extrema brutalidade quem se colocasse diante de seu caminho: a Assíria. A Babilônia teria papel importantíssimo na história do Império Assírio, tanto que foi a responsável direta por sua queda, em 612 a.C, dando início ao Império Neobabilônico (caldeu). Mas, de qualquer forma, não seria fácil ficar livre da mais assombrosa máquina militar da história antiga.
Os assírios eram habitantes originários do norte da Mesopotâmia, provindos da cidade de Assur (o mesmo nome de sua principal divindade). Por volta do século IX a.C., os assírios construíram o primeiro império de fato da Antiguidade, com um corpo administrativo razoavelmente definido, cujo principal método era a substituição das elites dos povos vencidos por sua própria gente, transformando reinos outrora independentes em reinos vassalos; mudanças populacionais encadeadas através de deportações; uma ideologia norteada pela religião e um exército regular eficaz e violento, que não hesitava em massacrar aqueles que ousassem rebelar-se contra o domínio dos senhores assírios. No auge de sua expansão territorial, os assírios alcançaram o Egito, sendo senhores absolutos de praticamente todo o Crescente Fértil. A relação dos assírios com a Babilônia oscilou entre a cooperação mútua e a imposição à força de seu poder. Os assírios tinham muito em comum com os babilônios, como o idioma e a religião. Entretanto, consideravam-se inferiores. Os babilônios tiveram relativa autonomia durante algum tempo, mas seu espírito inquieto que se recusava a reconhecer um domínio estrangeiro acabou instigando constantes rebeliões. No ano de 689 a.C., o rei assírio Senaqueribe incendiou e destruiu Babilônia; a cidade seria reconstruída mais tarde por Assaradão, seu filho.
A situação começou a mudar depois de uma aliança entre os babilônios e os medos. Ambos uniram-se para por fim ao domínio assírio. A Babilônia era representada por Nabopolasar; a Média era chefiada por Ciáxares. As investidas contra o poderio assírio começaram por volta de 614 a.C.; em 612 a.C., o império assírio chegaria ao fim após a queda de Nínive por mãos babilônico-médias. Partindo deste ponto, iniciou-se o Segundo Império Babilônico, também conhecido como Império Neobabilônico.
O Império Neobabilônico: a estrela de Nabucodonosor
Embora Nabopolasar tenha sido o “libertador” da Babilônia, foi seu filho Nabucodonosor II que consolidou o novo império. O reinado de Nabucodonosor ficaria conhecido pelo grande número de obras e construções que faria, mas há alguns equívocos. Um dos casos mais famosos é o dos Jardins Suspensos da Babilônia, que supostamente teriam sido criados por Nabucodonosor para satisfazer sua amante. Os jardins seriam descritos por Heródoto de Halicarnasso, famoso historiador grego. Entretanto, é possível que estes jardins jamais tenham existido de fato, ou de que eram anteriores ao reinado de Nabucodonosor. Mesmo assim, os jardins suspensos foram considerados como uma das Sete Maravilhas do mundo antigo, ao lado das Pirâmides do Egito, do Colosso de Rodes (estátua na cidade grega de Rodes), do Farol de Alexandria (Egito), do Templo de Zeus em Olímpia (Grécia), do Mausoléu de Halicarnasso (Cária, cidade grega) e do Templo de Ártemis em Éfeso, cidade grega. Além dos Jardins Suspensos, outras construções monumentais foram o zigurate e os Portões de Ishtar (hoje num museu de Berlim, Alemanha). O Império Neobabilônico partiu rumo a conquistas quase similares a de seus predecessores assírios. Uma delas marcaria para sempre a história do povo subjugado, os judeus.
“Subiu, pois, contra ele Nabucodonosor, rei de Babilônia, e o amarrou com cadeias, para o levar a Babilônia. 2 Crônicas36:6”
Em 587 a.C., os exércitos de Nabucodonosor finalmente quebrariam a resistência do reino de Judá, invadindo e saqueando Jerusalém e levando a população cativa rumo à Babilônia. O rei vassalo rebelde, Zedequias, teve os dois filhos assassinados e os olhos vazados; junto de seu povo, seria levado acorrentado. O reino israelita do norte já havia sofrido destino semelhante um século antes, quando foi destroçado pelos assírios. Mas a ação babilônica foi menos brutal com os judeus remanescentes no sul.
Todo o drama judaico foi registrado no Antigo Testamento bíblico. Grandes profetas da história judaica, como Jeremias e Daniel, citaram o sofrimento dos judeus e sua saudade de Sião. O cativeiro de setenta anos em Babilônia seria um castigo infligido por Deus pela desobediência dos judeus às Suas ordens. Esse cativeiro teria papel fundamental na história daquele povo. Pode-se dizer que a Torá foi basicamente finalizada e redigida em Babilônia. Alguns escribas que fugiram do caos instalado em Jerusalém quando da invasão de Nabucodonosor levaram consigo os rolos de antigas escrituras sagradas; entre esses rolos estava o Pentateuco mosaico. O cativeiro forçado em uma terra estrangeira fez com que a identidade nacional judaica se aflorasse. Alguns estudiosos afirmam que a estadia dos judeus em Babilônia foi o momento crucial de sua definitiva guinada ao monoteísmo, pois alguns israelitas persistiam em cultos politeístas num período anterior, que foram basicamente extintos após o regresso de Babilônia. Vale lembrar, ainda, que a remanescente comunidade judaica que permaneceu em Babilônia (séculos após o término do cativeiro e a benevolência dos persas em permitir que regressassem à Terra Santa) seria importante na compilação do Talmude, outro documento sagrado da religião judaica (o judaísmo tal como o conhecemos data de 200 a.C). A escola talmúdica de Babilônia teria muito respaldo nas discussões religiosas durante os quase dezenove séculos de diáspora judaica.
Foi o cativeiro judaico que deu a luz à "má fama" da Babilônia. O monoteísmo judaico era diametralmente oposto ao politeísmo babilônico. Os judeus tentaram ficar afastados dos cultos idolátricos daquela terra distante. A Babilônia ficaria conhecida como uma cidade promotora de orgias, perversões e paganismo. Os cristãos herdariam o costume judaico de denegrir a Babilônia, mas num sentido figurado e simbólico (como aparece no livro de Apocalipse), já que a cidade não era tão esplendorosa em tempos cristãos. O rótulo de imoralidade e devassidão relacionada à Babilônia ainda persiste no imaginário destas grandes religiões monoteístas (não sei o que as autoridades religiosas islâmicas pensam a respeito, mas é provável que seja na mesma linha judaico-cristã). A Bíblia registra o nome de Babilônia 281 vezes.
O fim do Império Neobabilônico
De modo semelhante ao Primeiro Império Babilônico, o novo império não duraria muito após a morte de seu principal líder, Nabucodonosor, que governaria durante 43 anos. O último rei babilônico foi Nabonildo (r. 555-h39), que tomou o poder à força. Governou com o apoio do filho Belsazar, que é citado no livro bíblico de Daniel. Crises internas surgiram em decorrência disso. Nabonildo cometeu o sacrilégio de mudar os costumes religiosos, dando mais importância ao culto do deus Sin (divindade relacionada à Lua) em detrimento do culto da principal divindade da cidade, Marduk. Um poderoso império vizinho aproveitara-se da crise causada por Nabonildo: o Império Persa. Ciro, seu líder, conseguiu o apoio dos habitantes de Babilônia principalmente pela promessa de restaurar o antigo culto a Marduk. Em 539 a.C., suas tropas entrariam na cidade e colocariam fim ao último período independente de Babilônia. O relato de Ciro é bastante interessante:
“Ele [Nabonildo], com más intenções, suspendeu as oferendas e prejudicou os costumes rituais. Ele conspirou para encerrar a veneração a Marduk e continuou espalhando o mal contra sua cidade [...] (Marduk) permitiu que ele (Ciro) entrasse na Babilônia sem a necessidade de uma batalha ou de uma luta, poupando sua própria cidade da Babilônia das dificuldades, e entregou Nabonildo, que deixara de venerá-lo, em suas mãos.”
Todo o drama judaico foi registrado no Antigo Testamento bíblico. Grandes profetas da história judaica, como Jeremias e Daniel, citaram o sofrimento dos judeus e sua saudade de Sião. O cativeiro de setenta anos em Babilônia seria um castigo infligido por Deus pela desobediência dos judeus às Suas ordens. Esse cativeiro teria papel fundamental na história daquele povo. Pode-se dizer que a Torá foi basicamente finalizada e redigida em Babilônia. Alguns escribas que fugiram do caos instalado em Jerusalém quando da invasão de Nabucodonosor levaram consigo os rolos de antigas escrituras sagradas; entre esses rolos estava o Pentateuco mosaico. O cativeiro forçado em uma terra estrangeira fez com que a identidade nacional judaica se aflorasse. Alguns estudiosos afirmam que a estadia dos judeus em Babilônia foi o momento crucial de sua definitiva guinada ao monoteísmo, pois alguns israelitas persistiam em cultos politeístas num período anterior, que foram basicamente extintos após o regresso de Babilônia. Vale lembrar, ainda, que a remanescente comunidade judaica que permaneceu em Babilônia (séculos após o término do cativeiro e a benevolência dos persas em permitir que regressassem à Terra Santa) seria importante na compilação do Talmude, outro documento sagrado da religião judaica (o judaísmo tal como o conhecemos data de 200 a.C). A escola talmúdica de Babilônia teria muito respaldo nas discussões religiosas durante os quase dezenove séculos de diáspora judaica.
Foi o cativeiro judaico que deu a luz à "má fama" da Babilônia. O monoteísmo judaico era diametralmente oposto ao politeísmo babilônico. Os judeus tentaram ficar afastados dos cultos idolátricos daquela terra distante. A Babilônia ficaria conhecida como uma cidade promotora de orgias, perversões e paganismo. Os cristãos herdariam o costume judaico de denegrir a Babilônia, mas num sentido figurado e simbólico (como aparece no livro de Apocalipse), já que a cidade não era tão esplendorosa em tempos cristãos. O rótulo de imoralidade e devassidão relacionada à Babilônia ainda persiste no imaginário destas grandes religiões monoteístas (não sei o que as autoridades religiosas islâmicas pensam a respeito, mas é provável que seja na mesma linha judaico-cristã). A Bíblia registra o nome de Babilônia 281 vezes.
O fim do Império Neobabilônico
De modo semelhante ao Primeiro Império Babilônico, o novo império não duraria muito após a morte de seu principal líder, Nabucodonosor, que governaria durante 43 anos. O último rei babilônico foi Nabonildo (r. 555-h39), que tomou o poder à força. Governou com o apoio do filho Belsazar, que é citado no livro bíblico de Daniel. Crises internas surgiram em decorrência disso. Nabonildo cometeu o sacrilégio de mudar os costumes religiosos, dando mais importância ao culto do deus Sin (divindade relacionada à Lua) em detrimento do culto da principal divindade da cidade, Marduk. Um poderoso império vizinho aproveitara-se da crise causada por Nabonildo: o Império Persa. Ciro, seu líder, conseguiu o apoio dos habitantes de Babilônia principalmente pela promessa de restaurar o antigo culto a Marduk. Em 539 a.C., suas tropas entrariam na cidade e colocariam fim ao último período independente de Babilônia. O relato de Ciro é bastante interessante:
“Ele [Nabonildo], com más intenções, suspendeu as oferendas e prejudicou os costumes rituais. Ele conspirou para encerrar a veneração a Marduk e continuou espalhando o mal contra sua cidade [...] (Marduk) permitiu que ele (Ciro) entrasse na Babilônia sem a necessidade de uma batalha ou de uma luta, poupando sua própria cidade da Babilônia das dificuldades, e entregou Nabonildo, que deixara de venerá-lo, em suas mãos.”
A Babilônia nunca mais seria tão importante após o Império Persa Aquemênida e assumiria papéis secundários nos impérios antigos subsequentes (uma referência válida é a de que Alexandre, o Grande, morreria em Babilônia, após forte febre). Depois da invasão e consolidação dos árabes na Mesopotâmia (transformada em Iraque) nos séculos VII e VIII d.C., a cidade seria abandonada. As ruínas de Babilônia ainda existem, e há o esforço grande por parte de pesquisadores em preservá-las das constantes guerras que assolam o Iraque. Milhares de tabuinhas foram descobertas nos escombros da cidade, e há muitos milhares a se descobrir. O que se deve destacar é o legado civilizacional da Babilônia, seu esplendor, sua glória. É uma história apaixonante, que revela com precisão os primórdios de nossa própria história, e a consolidação de um paraíso em meio ao deserto hostil.
FONTES PESQUISADAS
LIVROS
Bíblia Sagrada (disponível online: https://www.bibliaonline.com.br)
História dos Judeus (Paul Johnson)
Impérios Antigos: da Mesopotâmia à Origem do Islã (Eric H. Cline)
Uma História da Guerra (John Keegan)
DOCUMENTÁRIOS
“Guerreiros Ancestrais: os assírios” - espanhol (disponível online: https://www.youtube.com/watch?v=uxGQpu-rNqY)
“Os reis de Babilônia: de Sargão, o grande até Saddam Hussein”- espanhol (disponível online: https://www.youtube.com/watch?v=G-xYgaNqDXU&list=PLHv5I0SBGE-QQUOaScbo-eO3gTKurRWY3&index=5)
“Nabucodonosor II e o mistério de Babilônia”- português (disponível online: https://www.youtube.com/watch?v=V3dRFi3gzJg&list=PLHv5I0SBGE-QQUOaScbo-eO3gTKurRWY3&index=8)
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