quarta-feira, 22 de julho de 2015

Alexandre, o Grande




Algumas correntes historiográficas tem abandonado o estudo das grandes personalidades. Esse tipo de abordagem é considerada “elitista”, pois mostra a narrativa histórica sob o olhar “de cima”, do conquistador, daquele que convenientemente escreveu sua própria história ou ordenou que a escrevessem. Então, a ênfase é voltada aos menores, à micro história, aos de “baixo”. Não entrarei em polêmicas. Gosto dos dois tipos de abordagem, cada uma à sua maneira. Entretanto, o estudo dos grandes ainda é viçoso, excitante, pois a vida deles assim foi. Foram verdadeiros tremores de terra e mudaram gerações. Alexandre, o Grande, (356 – 323 a.C) foi um deles.

Alexandre nasceu na Macedônia, reino que fazia fronteira com a Grécia e suas inúmeras cidades-estado. Era um jovem ambicioso, com um ego maior do que o império efêmero que criaria. Parte da explicação vem de família: o pai de Alexandre, Filipe II, era um rei considerado tirânico, também expansionista (mas em menor escala à de Alexandre), além de inovador, pois modernizara o exército macedônico, utilizando tática similar a dos gregos: as falanges, formação compacta de infantaria que colocava os homens ombro a ombro e escudo a escudo, num sistema praticamente impenetrável. Além disso, possuía uma cavalaria ligeira (o que os gregos em geral não tinham) e máquinas de cerco sem igual. Alexandre ampliaria a escala do que o pai produziu. A mãe de Alexandre, Olímpia, era tão ou mais ambiciosa que o filho. O rei Filipe foi assassinado aos 46 anos de idade, e alguns estudiosos afirmam que a morte pode ter sido encomendada pela esposa, com a conivência de Alexandre. Não há prova concreta. Os demais herdeiros do trono foram esmagados, e Alexandre assumiria o reino ainda muito jovem.

Era um gênio militar de brilho notório. Venceu sua primeira batalha aos 16 anos. Como já citado, seu ego era tamanho que, já nessa época, batizava cidades com seu nome a fim de imortaliza-lo. Mas não era um brucutu: teve educação de ponta. Ora, ele era pupilo do filósofo grego Aristóteles, homem de importância ímpar na história do Ocidente. Que privilégio! Alexandre era um ávido leitor. Adorava Homero. Isso, aliás, foi crucial em sua formação ideológica. Acreditava-se descendente dos deuses (especialmente de Aquiles), senão um próprio deus.

Sua expansão militar foi espetacular. Dominou a Grécia, já enfraquecida. O Oriente era o ponto de maior cobiça. A máquina de guerra alexandrina varreu boa parte da Ásia. Os persas aquemênidas, inimigos antigos dos gregos e detentores do maior império até então, foram humilhados e renderam-se ao brio de Alexandre. Tiveram sua frota destruída no mar e derrota decisiva em Gaugamela. Seu rei, Dario, sairia com o rabo entre as pernas, desolado. São vários os feitos militares de Alexandre, e um dos mais espetaculares foi a tomada de Tiro, que era considerada inexpugnável (Alexandre construiu um ponte de 1 km para chegar até lá – Tiro era uma ilha próxima à costa). O que diferenciava Alexandre dos outros comandantes era sua notável coragem. Ia à frente de seu exército com tremenda ousadia, cavalgando em seu indomável Bucéfalo. Isso incentivava os homens durante as batalhas, excitava-os. O Egito também foi conquistado, e ali aconteceria um dos momentos mais curiosos e cruciais da história de Alexandre: ao procurar por sacerdotes no Oráculo do Oásis de Siwa, o que por si só já era arriscado, ouviu (evidentemente quis ouvir) que era um “deus” ou que alcançaria status divino. Aceitou isso incontestavelmente. Com um império ascendente (ia da Grécia à fronteira da Índia), Alexandre passou a adotar costumes locais, especialmente dos persas. Isso enfureceu suas tropas greco-macedônicas. Durante a investida contra a Índia, seus homens ameaçaram um motim. Queriam voltar para casa, contrariando o desejo de Alexandre. O retorno em meio ao deserto foi custoso, milhares morreram. Como quase tudo que envolve o poder e sua disputa, Alexandre foi tomado por paranoias; combinando isto com sua cada vez mais constante embriaguez, ordenou (ou o fez diretamente) o assassinato de antigos amigos e generais de confiança (como Cleito, seu amigo íntimo, ou Calístenes, historiador que levava para registrar seus feitos). A pretensão de Alexandre era tomar a Península Arábica, mas seus planos foram frustrados em Babilônia: tomado por uma febre intensa (provavelmente por malária ou algum problema relacionado ao álcool), morreria ali, na casa dos trinta anos. O império que havia forjado fragmentou-se graças a disputas entre seus antigos generais (foram formados dois principais impérios, o selêucida e o ptolomaico, mas a duração de ambos foi relativamente curta).

O legado de Alexandre permaneceu por séculos. Fundou 70 cidades com o seu nome, criou bibliotecas e levou a cultura helênica para além dos Bálcãs. A Grécia nunca mais seria a mesma: de cidadãos da pólis , os gregos passaram a ser súditos. A pólis praticamente não existia mais; agora os habitantes eram “cosmopolitas”, “cidadãos do Cosmos”. A mudança de mentalidade foi impactante. Alguns historiadores afirmam que a vida privada passou a ser mais importante, o que certamente contrariaria o antigo espírito ateniense. Desenvolveram-se novas filosofias para se adequar à nova realidade (notavelmente o epicurismo e o estoicismo). O exemplo militar de Alexandre foi evocado por seus sucessores romanos, bizantinos e até mesmo islâmicos. O status de herói ainda persiste. Mas nem tudo é belo. Em boa parte do Oriente, Alexandre é visto como o precursor do imperialismo ocidental; seu nome é temido e ainda é lembrado pela sanguinolência e destruição causada. De qualquer forma, Alexandre atingiu sua principal meta: imortalizar-se na História. Não importa a ênfase que tal ou qual historiador tenha, tampouco sua preferência política. Todos admitirão que Alexandre, de fato, foi Grande, gostando dele ou não.


Alexandre montado em seu famoso Bucéfalo




Máxima extensão das conquistas de Alexandre


Referências Bibliográficas 

CLINE, Eric H. Impérios antigos: da Mesopotâmia à origem do Islã/ Eric H. Cline, Mark W. Graham; tradução Getulio Schanoski Jr. - São Paulo: Madras, 2012. 

JOHNSON, Paul. Os heróis: de Alexandre o grande e Júlio César a Churchill e João Paulo II / Paul Johnson; tradução Marcos Santarrita. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Os Filisteus


Os filisteus eram um povo guerreiro que vivia no litoral palestino, conhecidos principalmente por sua feroz rivalidade com os israelitas. Muito do que chegou até nós sobre os filisteus está relatado na Bíblia, onde abundam as narrativas sobre as sangrentas disputas entre aqueles povos.



Território dos filisteus


A origem dos filisteus é controversa. Tal como os fenícios (que viviam onde hoje é o Líbano e que desenvolveram o alfabeto que nós herdamos), pode-se dizer que também pertenciam aos “Povos do Mar”, invasores formidáveis que chegavam para saquear e conquistar terras – guerreiros brutais tanto no mar quanto em terra, tal tarefa não era difícil. Etnicamente falando, aproximavam-se mais dos europeus do que dos asiáticos, pois vinham da Grécia e de Creta; de lá trouxeram elementos de sua cultura, tal como o domínio da cerâmica e do ferro, este último essencial para a guerra. As principais cidades que construíram eram Ashod, Ascalon, Gaza, Gath e Ekron. 

A aparência física dos filisteus era medonha à maioria dos asiáticos e africanos que os conheceram: eram certamente mais altos, possuíam o queixo raspado e tinham “olhos de águia”. O capacete que utilizavam nas batalhas era uma espécie de círculo de junco ereto, com tiras de couro ou crina de cavalo. Além da utilização do ferro, o que fazia com que suas armas fossem mais resistentes do que a dos inimigos (ainda à época da Idade do Bronze), utilizavam bigas de guerra de três homens (um cocheiro e dois lanceiros). Costumavam portar duas lanças, uma espada ou ambos. Os filisteus não eram apenas guerreiros brutais, pois tinham grande apreço pela arte – os israelitas da época não desenvolveram nada igual.






Os filisteus viviam em guerra contra seus vizinhos hebreus. Alguns foram imortalizados pela história. Quem nunca ouviu falar de Dalila, a encantadora mulher que seduziu o brutal Sansão e que o fez perder os olhos ao ser entregue aos inimigos? Ou de Golias, o gigante que atemorizou o exército israelita de Saul e que foi derrotado por Davi? Os registros históricos apontam que o fim dos filisteus não foi nada glorioso: sumiram à época das expansões dos povos mesopotâmicos (assírios e babilônios/caldeus); é provável que tenham sido assimilados étnica e culturalmente pelos invasores, que tinham o costume de realocar populações inteiras dentro de suas fronteiras imperiais (século VI a.C).


A doce Dalila enfeitiçando o mulherengo Sansão...

Por uma ironia da história, os filisteus continuariam a perturbar os judeus mesmo depois de terem desaparecido: após a revolta judaica de 70 d.C e da famosa Diáspora, os romanos renomearam o território judeu (Judéia) para “Palestina”, que seria uma tradução latina para “Filisteu” ou algo parecido (outra origem para o nome "Palestina" é egípcia: "Pelest" ou "Plst").  Era uma tentativa de eliminar resquícios judaicos daquele território e nada melhor que utilizar o nome dos velhos inimigos dos zelotas rebeldes. Ainda hoje a sombra filistina persegue os israelitas, pois os atuais palestinos (povo de maioria étnica árabe) residem na Faixa de Gaza e alguns grupos extremistas (fugindo de generalizações, claro) costumam atacar o território israelense de lá.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


JOHNSON, Paul. Os heróis: de Alexandre o grande e Júlio César a Churchill e João Paulo II / Paul Johnson; tradução Marcos Santarrita. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

O Terceiro Reich em Guerra - Recomendação de livro



O nacional-socialismo é um dos fenômenos históricos mais interessantes e mais estudados de todos os tempos, tamanho o impacto que teve sobre o povo alemão e sobre o mundo em geral. A bibliografia é vasta e inesgotável, e o tema pode ser considerado "aberto" à análise. Entretanto, muito do que se diz a respeito é pura leviandade, e certas comparações são risíveis e carentes de bases históricas dignas de confiança. 

Soldado alemão na atroz Batalha das Ardenas, última ofensiva alemã na guerra 


Meu propósito é recomendar um dos livros mais interessantes que pude ler a respeito do tema: é o "Terceiro Reich em Guerra", do historiador inglês Richard J. Evans, especialista em Alemanha e professor de história contemporânea da Universidade de Cambridge. O livro é o último de uma série de três (os outros são "A Chegada do Terceiro Reich" e "Terceiro Reich no Poder"). O recorte histórico contempla os anos da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), dando ênfase total na participação alemã no conflito. As mais de 1000 páginas do livro fornecem dados impressionantes sobre os alemães e os inimigos subjugados; narra as rápidas vitórias obtidas, a espoliação, o ódio e a violência dispensada aos judeus, eslavos e outros povos; mostra o desenvolvimento econômico, social, militar e psicológico dos alemães do Reich; conta os detalhes das vitórias e da derrocada em solo russo, revelando dados estatísticos sensacionais sobre as maiores batalhas da historia, todas travadas no leste europeu; a discrepância da produção militar alemã comparada a dos aliados, os intensos bombardeios que o Reich sofreu e também as opiniões dos alemães sobre o nazismo, as atrocidades cometidas e o desenrolar da guerra. 

Wermacht na Polônia 


Algumas coisas chamaram a minha atenção: além das estatísticas militares, parte da qual gosto mais, impressionou-me sobremaneira os relatos das fábricas da morte desenvolvidas pelos nazistas - o desenvolvimento de um programa eugênico e de eutanásia que matou 80 mil alemães "inferiores" e a criação dos campos de concentração e extermínio; a frieza de personagens como Himmler, Mengele, Hoss, Goebbels e o próprio Hitler; a cumplicidade de alemães e outros povos com os massacres (os romenos, por exemplo, assassinaram cerca de 280-380 mil judeus); as diversas formas de assassinato e o relato de sobreviventes que vivenciaram o cotidiano da guerra e deixaram seus escritos como relíquia histórica indelével, tais como o judeu alemão Victor Klemperer e o médico polonês Zygmunt Klukowski, além dos diários de vários alemães comuns e de cartas trocadas no front. 

Só posso ser enfático ao recomendar veementemente o livro a todos os que gostam de História e, principalmente, história do nacional-socialismo. O livro é excelente e de fácil leitura, e é indispensável para quem quer saber a abrangência e o impacto do nazismo em toda uma geração.



Referências Bibliográficas

EVANS, Richard J. A chegada do Terceiro Reich / Richard J.
Evans ; tradução Lúcia Brito. – São Paulo : Editora
Planeta do Brasil, 2012.