Algumas correntes historiográficas tem abandonado o estudo das grandes personalidades. Esse tipo de abordagem é considerada “elitista”, pois mostra a narrativa histórica sob o olhar “de cima”, do conquistador, daquele que convenientemente escreveu sua própria história ou ordenou que a escrevessem. Então, a ênfase é voltada aos menores, à micro história, aos de “baixo”. Não entrarei em polêmicas. Gosto dos dois tipos de abordagem, cada uma à sua maneira. Entretanto, o estudo dos grandes ainda é viçoso, excitante, pois a vida deles assim foi. Foram verdadeiros tremores de terra e mudaram gerações. Alexandre, o Grande, (356 – 323 a.C) foi um deles.
Alexandre nasceu na Macedônia, reino que fazia fronteira com a Grécia e suas inúmeras cidades-estado. Era um jovem ambicioso, com um ego maior do que o império efêmero que criaria. Parte da explicação vem de família: o pai de Alexandre, Filipe II, era um rei considerado tirânico, também expansionista (mas em menor escala à de Alexandre), além de inovador, pois modernizara o exército macedônico, utilizando tática similar a dos gregos: as falanges, formação compacta de infantaria que colocava os homens ombro a ombro e escudo a escudo, num sistema praticamente impenetrável. Além disso, possuía uma cavalaria ligeira (o que os gregos em geral não tinham) e máquinas de cerco sem igual. Alexandre ampliaria a escala do que o pai produziu. A mãe de Alexandre, Olímpia, era tão ou mais ambiciosa que o filho. O rei Filipe foi assassinado aos 46 anos de idade, e alguns estudiosos afirmam que a morte pode ter sido encomendada pela esposa, com a conivência de Alexandre. Não há prova concreta. Os demais herdeiros do trono foram esmagados, e Alexandre assumiria o reino ainda muito jovem.
Era um gênio militar de brilho notório. Venceu sua primeira batalha aos 16 anos. Como já citado, seu ego era tamanho que, já nessa época, batizava cidades com seu nome a fim de imortaliza-lo. Mas não era um brucutu: teve educação de ponta. Ora, ele era pupilo do filósofo grego Aristóteles, homem de importância ímpar na história do Ocidente. Que privilégio! Alexandre era um ávido leitor. Adorava Homero. Isso, aliás, foi crucial em sua formação ideológica. Acreditava-se descendente dos deuses (especialmente de Aquiles), senão um próprio deus.
Sua expansão militar foi espetacular. Dominou a Grécia, já enfraquecida. O Oriente era o ponto de maior cobiça. A máquina de guerra alexandrina varreu boa parte da Ásia. Os persas aquemênidas, inimigos antigos dos gregos e detentores do maior império até então, foram humilhados e renderam-se ao brio de Alexandre. Tiveram sua frota destruída no mar e derrota decisiva em Gaugamela. Seu rei, Dario, sairia com o rabo entre as pernas, desolado. São vários os feitos militares de Alexandre, e um dos mais espetaculares foi a tomada de Tiro, que era considerada inexpugnável (Alexandre construiu um ponte de 1 km para chegar até lá – Tiro era uma ilha próxima à costa). O que diferenciava Alexandre dos outros comandantes era sua notável coragem. Ia à frente de seu exército com tremenda ousadia, cavalgando em seu indomável Bucéfalo. Isso incentivava os homens durante as batalhas, excitava-os. O Egito também foi conquistado, e ali aconteceria um dos momentos mais curiosos e cruciais da história de Alexandre: ao procurar por sacerdotes no Oráculo do Oásis de Siwa, o que por si só já era arriscado, ouviu (evidentemente quis ouvir) que era um “deus” ou que alcançaria status divino. Aceitou isso incontestavelmente. Com um império ascendente (ia da Grécia à fronteira da Índia), Alexandre passou a adotar costumes locais, especialmente dos persas. Isso enfureceu suas tropas greco-macedônicas. Durante a investida contra a Índia, seus homens ameaçaram um motim. Queriam voltar para casa, contrariando o desejo de Alexandre. O retorno em meio ao deserto foi custoso, milhares morreram. Como quase tudo que envolve o poder e sua disputa, Alexandre foi tomado por paranoias; combinando isto com sua cada vez mais constante embriaguez, ordenou (ou o fez diretamente) o assassinato de antigos amigos e generais de confiança (como Cleito, seu amigo íntimo, ou Calístenes, historiador que levava para registrar seus feitos). A pretensão de Alexandre era tomar a Península Arábica, mas seus planos foram frustrados em Babilônia: tomado por uma febre intensa (provavelmente por malária ou algum problema relacionado ao álcool), morreria ali, na casa dos trinta anos. O império que havia forjado fragmentou-se graças a disputas entre seus antigos generais (foram formados dois principais impérios, o selêucida e o ptolomaico, mas a duração de ambos foi relativamente curta).
O legado de Alexandre permaneceu por séculos. Fundou 70 cidades com o seu nome, criou bibliotecas e levou a cultura helênica para além dos Bálcãs. A Grécia nunca mais seria a mesma: de cidadãos da pólis , os gregos passaram a ser súditos. A pólis praticamente não existia mais; agora os habitantes eram “cosmopolitas”, “cidadãos do Cosmos”. A mudança de mentalidade foi impactante. Alguns historiadores afirmam que a vida privada passou a ser mais importante, o que certamente contrariaria o antigo espírito ateniense. Desenvolveram-se novas filosofias para se adequar à nova realidade (notavelmente o epicurismo e o estoicismo). O exemplo militar de Alexandre foi evocado por seus sucessores romanos, bizantinos e até mesmo islâmicos. O status de herói ainda persiste. Mas nem tudo é belo. Em boa parte do Oriente, Alexandre é visto como o precursor do imperialismo ocidental; seu nome é temido e ainda é lembrado pela sanguinolência e destruição causada. De qualquer forma, Alexandre atingiu sua principal meta: imortalizar-se na História. Não importa a ênfase que tal ou qual historiador tenha, tampouco sua preferência política. Todos admitirão que Alexandre, de fato, foi Grande, gostando dele ou não.
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Alexandre montado em seu famoso Bucéfalo |
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Máxima extensão das conquistas de Alexandre |
Referências Bibliográficas
CLINE, Eric H. Impérios antigos: da Mesopotâmia à origem do Islã/ Eric H. Cline, Mark W. Graham; tradução Getulio Schanoski Jr. - São Paulo: Madras, 2012.
JOHNSON, Paul. Os heróis: de Alexandre o grande e Júlio César a Churchill e João Paulo II / Paul Johnson; tradução Marcos Santarrita. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.